Glossário do golfe
Albatroz
Para escrever esta crônica fui ao meu Museu de Tacos Iluminados (atrás do armário) e catei um ferro 2 Macgregor com a cabeça menor que qualquer putter de hoje. Fiz uns waggles sentindo seu peso chumbado e o deitei atrás do teclado na esperança que ainda conserve depois de tantos anos algo do seu condão. Afinal, o ferro 2 autor de um albatroz não é qualquer taco.
Apesar de saber que nenhuma definição formal possa transmitir o que é na realidade um albatroz, first things first.
Para entender o termo precisamos ir ao eagle e ao birdie, ou seja, às origens do vocabulário de golfe. Esportes são uma mina de gírias, apelidos e expressões idiomáticas que, como aprendemos em qualquer recreio de colégio, nascem do imaginário do jogo como manifestações da sua energia. Nascem de forma espontânea e anônima, pois a expressão só vinga depois de ser aceita e repetida por todos. Não é algo sobre o qual alguém possa reclamar a autoria individual.
De modo que devemos ir ao início do século XX quando o birdie (gíria de então para cool, quer dizer, para algo “legal”) torna-se o nome dado à uma tacada abaixo do par. Birdie, sabemos, é passarinho. Daí a chamar de águia o resultado de 2 abaixo e de albatroz, por ser um pássaro raro de encontrar, o de 3 abaixo foi ir na corrente.
Norteamericanos afirmam que o birdie foi usado pela primeira vez no ano de 1903 em um campo de golfe de Atlantic City. O que eles não explicam é como se identifica a gíria antes da sua popularização.
Paternidades à parte, o Historical Dictionary of Golfing Terms cita o inglês Bernard Darwin, neto do naturalista e um dos maiores prosistas de golfe do séc. XX, para corroborar que o passarinho e a águia em questão surgiram em algum lugar da América. Diz Darwin por volta de 1913:
“It takes a day or two for the English onlooker (in the U.S.) to understand that a birdie is a hole done in one stroke under par”.
Já o Scottish Golf History assevera que os estadunidenses cunharam o dois abaixo com a sua simbólica ave nacional e tentaram, sem sucesso no exterior, a corruptela de rebatizar o albatroz chamando-o double-eagle, tosca redundância e de tamanho mau gosto que não merece comentários. Tudo isto para dizer que embora se saiba o porquê, ninguém sabe onde nasceu o termo. Tem-se conhecimento apenas que a primeira vez que alguém escreveu sobre o albatroz foi em um jornal inglês qualquer no ano de 1929. Isto se dermos crédito ao que o British Golf Museum registra.
Parece que em golfe não há o impossível. Mais raro que o albatroz só mesmo o hole-in-one em um par 5 ou o quatro abaixo em um par 6. O escore existe e se chama “condor”. Para que se tenha ideia, até 2016 foram contabilizados 702 holes-in-one na história do PGA Tour contra apenas 62 albatrozes. O mais famoso deles pertence a Gene Sarazen na última volta do Masters em Augusta, no ano de 1935. A madeira 4 das 235 jardas no 15 levaria a um playoff de 36 buracos e à vitória sobre Craig Wood no dia seguinte. Sarazen, nunca é demais lembrar, foi o criador do sand wedge e o primeiro golfista a alcançar o moderno Grand Slam (PGA Championship, U.S. Open, Masters, Open Championship). Embora eu prefira o Slam do Bobby Jones, mas esse é outro verbete.
As estatísticas levam ao próximo argumento, é dizer, qualquer filaço de sorte pode fazer um hole-in-one. Já o albatroz é nobre. Para fazer 3 abaixo do par é preciso mais que acaso. No albatroz clássico, o jogador deve executar dois swings perfeitos. Draivar no par 5 colocando o green ao alcance do segundo tiro e embocar em seguida exige, além de fortuna, precisão. No albatross-in-one outros fatores entram em jogo. Que o céu esteja leve, propício para o voo do drive. Que do tee, o batedor decida ir ao green do par 4 e, ao fazê-lo, que ajuste ao seu arco aquela dose de intensidade sem perder o equilíbrio. Em ambos caos, há um momento único em que o quique da bola encontra a linha e ela rola na caída do green como se tivesse sido pateada. Nesse momento o golfista sente ser apenas uma entre as forças que conspiram para que a bola entre. Sensação que está na essência do golfe.
Comecei a escrever esta coluna pensando em um fecho com a tacada dada por este maciço ferro 2 no buraco 7 do Clube Campestre de Livramento, em 1980. Mas melhor não, deixo no ar. Já está de bom tamanho.
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