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Antonio Porchia

Vozes

Parta de qualquer ponto. Todos são iguais. Todos eles levam a um ponto de partida.

A árvore está só, a nuvem está só. Tudo é solitário quando estou só.

Meu corpo me separa de tudo e de todos. Nada além do meu corpo.

Quando procuro minha existência, não a procuro em mim mesmo.

Percebemos o vazio, ocupando-o.

Estou perdendo o desejo pelo que procuro, procurando o que desejo.

Quase sempre é o medo de ser quem somos o que nos leva ao espelho.

Estás atado a eles e não entendes como, porque eles não estão atados a ti.

Dormindo sonho o que sonho desperto. E meu sonho é contínuo.

Sim, tentarei ser. Porque penso que é orgulho não ser.

Quem fica muito consigo mesmo, se avilta.

Quem faz um paraíso de um pão, da sua fome faz um inferno.

Quem viu tudo esvaziar-se, quase sabe de que se enche tudo.

Ferir o coração é criá-lo.

Quem tudo perdoa, a si tudo perdoou.

Ser alguém é ser alguém sozinho. Ser alguém é solidão.

As dificuldades também passam, como tudo passa, sem dificuldade.

O caminho reto encurta as distâncias, e também a vida.

É possível não dever nada devolvendo a luz ao sol.

O medo da separação é tudo o que une.

Quanto menos cremos ser, mais suportamos. E se cremos nada ser, suportamos tudo.

Às vezes que me compreendo um pouco, compreendo menos os outros.

Se eu pudesse deixar tudo como está, sem mover uma estrela, nem uma nuvem. Ah, se eu pudesse!

Abandonei a indigente necessidade de viver. Vivo sem ela.

Às vezes, o que desejo e o que não desejo se fazem tantas concessões que acabam se parecendo.

Nada é simplesmente nada. É também nossa prisão.

Com as palavras que não disse, desarmei minhas armas.

O mal de não crer é crer um pouco.

Nada termina sem quebrar, porque tudo é infinito.

Se aprende a não precisar, precisando.

E se estivesse separado dessa árvore que vejo, desse sol que vejo, veria esta árvore, veria este sol?

Acreditavas que destruir o que separa era unir. E destruíste o que separa. E destruíste tudo. Porque nada existe sem o que separa.

Cem anos morrem em um instante, o mesmo que um instante em um instante.

Porque sabem o nome do que procuro, pensam que sabem o que procuro!

Uma coisa, até não ser toda, é ruído, e tudo é silêncio.

O que as palavras dizem não dura. As palavras duram. Porque as palavras são sempre as mesmas e o que dizem nunca é o mesmo.

Antes de seguir meu caminho, eu era meu caminho.

Estar em companhia não é estar com alguém, mas estar em alguém.

Fala com sua própria palavra apenas a ferida.

No último instante, toda a minha vida durará um instante.

Alguns, adiantando-se a todos, vão ganhando o deserto.

Às vezes, de noite, acendo uma luz para não ver.

Não, eu não entro. Porque se eu entrar não há ninguém.

O que te dei, eu sei. O que recebeste, eu não sei.

Quem diz a verdade, não diz quase nada.

Em uma alma cheia cabe tudo, em uma alma vazia não cabe nada.

O humano julga tudo no minuto presente sem entender que julga só um minuto: o minuto presente.

A dor está acima, não abaixo. E todos acreditam que a dor está abaixo. E todos querem subir.

Queria conquistar. Mas não conquistava. Porque queria conquistar sem derrotar.

Dirão que vais pelo caminho errado, se vais pelo teu caminho.

Condenar um erro é outro erro.

Se não ergues os olhos, pensarás que és o ponto mais alto.

O que pagamos com nossa vida nunca é caro.

O homem fala de tudo e fala de tudo como se o conhecimento de tudo estivesse todo nele.

As certezas só são alcançadas com os pés.

Um grande coração se enche com muito pouco.

O homem, quando é apenas o que parece ser o homem, é quase nada.

Éramos eu e o mar. E o mar estava só e só eu estava. Um dos dois faltava.

Ao partir, meu pai deu meio século à minha infância.

Cem homens juntos são um centésimo de um homem.

Ninguém entende que já deste tudo. Deves dar mais.

Se eu não acreditasse que o Sol me olha um pouco, não o olharia.

Quando tua dor é um pouco maior que a minha, me sinto um pouco cruel.

A flor que tens entre as mãos nasceu hoje e já tem a tua idade.

Minha pobreza não é total: falto eu.

Não achei com quem ser, em ninguém. E fiquei, assim: como ninguém.

Faz mil anos que me pergunto: o que vou fazer agora? E ainda não preciso da resposta.

Temos um mundo para cada um, mas não temos um mundo para todos.

O profundo, visto da profundidade, é superfície.

Se nunca esquecesse de nada do que há em ti, nunca encontraria nada de novo em ti.

Quando tu e a verdade me falam, não ouço a verdade. Ouço a ti.

Sinto que me repito quando repito ao outro, não quando me repito.

Saber morrer custa a vida.

Sei que não tens nada. Por isso te peço tudo. Para teres tudo.

Trata-me como deves me tratar, não como mereço ser tratado.

É possível sentir sempre quem se é às vezes, não quem sempre se é.

Venho de morrer, não de ter nascido. De ter nascido me vou.

Saber não é compreender, poderíamos saber tudo e não compreender nada.

Creio que habitamos uns aos outros, mas não habitados. Porque não poderíamos habitar-nos uns aos outros, habitados.

Deus meu, quase nunca tive fé, mas sempre te amei.

Quero pelo que quis, e o que quis, não voltaria a querer novamente.

Às vezes penso que nem tudo o que vejo existe. Porque tudo que vejo é tudo que vi. E tudo o que vi não existe.

As quimeras vêm sozinhas e partem acompanhadas.

Há dores que perderam a memória e não recordam porque são dores.

A razão se perde pelo raciocínio.

Haveria essa busca eterna se o achado existisse?

A dor não nos segue: caminha na frente.

Tua mão me procura, porque me cobre inteiro e não é transparente.

Quando tudo está feito, as manhãs são tristes.

Minha alma tem todas as idades, exceto uma: a do meu corpo.

Compreendo que a mentira é um engano e a verdade não. Mas ambas me enganaram.

Quando compreendes que és filho das tuas crenças, perdes tuas crenças.

O que não se converte em memória não foi. E talvez não seja. Porque não foi.

Rio porque riem, não pelo que riem.

Somente alguns chegam a nada, porque o trajeto é longo.

Estou tão pouco em mim, que o que fazem de mim quase não me interessa.

É tanto o que não sei? E como? Será que alguma vez soube tanto, que é tanto o que não sei?

Quando não ando nas nuvens, ando meio perdido.

No meu silêncio, só falta minha voz.

Quem procura ferir-te busca tua ferida, para ferir na tua ferida.

O menino mostra seu brinquedo, o homem o esconde.

Onde há uma pequena lâmpada acesa, não acendo a minha.

Algumas coisas se tornam tão nossas que as esquecemos.

Existem sonhos que precisam repouso.

A confissão de um humilha a todos.

Perto de mim não há mais que distâncias.

Acreditam que mover-se é viver. E se movem, não para viver. Se movem para crer que vivem.

O que fiz ou não fiz, penso que passou. E o que farei ou não farei penso que também passou.

Com algumas pessoas meu silêncio é total: interior e exterior.

Não iria querer nada outra vez. Nem uma mãe iria querer de novo.

Se compadecem das vítimas, as vítimas.

Quando seus olhos se apagaram, eu também vi uma sombra.

O frio é um bom conselheiro, mas é frio.

Te assusta o vazio, e abres mais os olhos!

Meu grande dia veio e se foi, não sei como. Porque não passou pela aurora ao vir nem pelo poente ao partir.

Sim, já ouvi tudo. Agora só me falta calar.

Tudo é um pouco de escuridão, até a própria luz.

Estranhos, estranhos, estranhos, uma infinidade de estranhos. E eu, um estranho solitário.

Convença-me, mas sem convicções. As convicções não me convencem mais.

Se também não estás conforme contigo, eu estou conforme contigo.

Algumas coisas, para me mostrar sua inexistência, se fizeram minhas.

O homem vive medindo e não é medida de nada. Nem de si mesmo.

Às vezes sonho que estou acordado. E é assim que sonho o sonho do meu sonho.

O mistério te fez crescer: te fez mistério.

Quem sobe degrau a degrau, está sempre na altura de um degrau.

A vida começa a morrer por onde mais é vida.

Meu primeiro mundo o encontrei inteiro em meu escasso pão.

O homem não vai a lugar algum. Tudo vem ao homem, como o amanhã.

Quase não toquei no barro e sou de barro.

As alturas guiam, mas nas alturas.

Quando eu não for mais nada, não serei mais nada? Como gostaria de não ser mais nada quando eu não for mais nada.

A lembrança é um pouco de eternidade.

E sem esta repetição eterna de tudo, de si mesmo para si mesmo, a cada momento, tudo duraria um instante. Até a eternidade duraria um instante.

Encontrarás a distância que te separa deles, unindo-te a eles.

O mal não é feito por todos, mas acusa a todos.

Quem não povoa seu mundo de fantasmas, fica sozinho.

Onde todos lamentam, nenhum lamento é ouvido.

Quando alguma voz me chama, eu respondo, mas antes respondo a mim.

Eu via um homem morto. E eu era pequeno, pequeno, pequeno…
Meu Deus, que grande é um homem morto!

Em plena luz não somos nem uma sombra.

Fui para mim, discípulo e mestre. E fui um bom discípulo, mas um mau mestre.

Ninguém é luz de si mesmo: nem o sol.

A luz que ilumina muitos caminhos, não ilumina um caminho.

E ainda encontras algo, não perdeste tudo. Te falta perder algo ainda.

A criança que ninguém leva pela mão é a criança que sabe que é criança.

Até o menor dos seres leva um sol no olho.

Agora o instante, logo o eterno. O instante e o eterno. E só o instante é tempo, porque o eterno não é tempo. A eternidade é a lembrança do instante.

tan editorial

Idealizada por Thomaz Albornoz Neves, a chancela tan ed. reúne títulos  de autores cisplatinos e afins. São obras de fotografia, arte, poesia, ensaio e relato escritas em português e espanhol (com alguma pitada de portunhol). O empreendimento é solitário, sazonal e sem fins lucrativos. Os livros têm a mesma identidade gráfica e são, na sua maioria, ilustrados com desenhos do editor. A tiragem varia entre 75 e 300 exemplares numerados.