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Roberto Juarroz

9 poemas

 

*
Una red de mirada
mantiene unido al mundo
no lo deja caerse.
Y aunque yo no sepa qué pasa con los ciegos,
mis ojos van a apoyarse en una espalda
que puede ser de dios.
Sin embargo,
ellos buscan otra red, otro hilo,
que anda cerrando ojos con un traje prestado
y descuelga una lluvia ya sin suelo ni cielo.
Mis ojos buscan eso
que nos hace sacarnos los zapatos
para ver si hay algo más sosteniéndonos debajo
o inventar un pájaro
para averiguar si existe el aire
o crear un mundo
para saber si hay dios
o ponernos el sombrero
para comprobar que existimos.

 

Uma teia de olhar
mantêm unido o mundo
não permite que caia
E ainda que eu não saiba como é estar cego
meus olhos buscam apoio em um dorso
que pode ser de deus
No entanto
eles procuram outra rede, outro fio
que anda fechando os olhos com a roupa emprestada
e começa a chuva sem terra nem céu
Meus olhos buscam aquilo
que nos faz descalçar os sapatos
para ver se há algo ainda sustentando abaixo
ou inventar um pássaro
para averiguar se existe o ar
ou criar um mundo
para saber se deus existe
ou pormos o chapéu
para comprovar que existimos

 

*

Pienso que en este momento
tal vez nadie en el universo piensa en mí,
que sólo yo me pienso,
y si ahora muriese,
nadie, ni yo, me pensaría.

Y aquí empieza el abismo,
como cuando me duermo.
Soy mi propio sostén y me lo quito.
Contribuyo a tapizar de ausencia todo.

Tal vez sea por esto
que pensar en un hombre
se parece a salvarlo.

 

Penso que neste momento
talvez ninguém no universo pensa em mim
que só eu me penso
e se agora morresse
ninguém, nem eu, me pensaria

E aqui começa o abismo
como quando adormeço
Sou meu próprio amparo e o retiro
Contribuo a revestir de ausência o mundo

Talvez seja por isto
que pensar em um homem
se parece a salvá-lo

 

*
Sí, hay un fondo.

Pero hay también un más allá del fondo,
un lugar hecho con caras al revés.

Y allí hay pisadas,
pisadas o por lo menos su anticipo,
lectura de ciego que ya no necesita puntos
y lee en lo liso
o tal vez la lectura de sordo
en los labios de un muerto.

Sí, hay un fondo.

Pero es el lugar donde empieza el otro lado,
simétrico de éste,
tal vez éste repetido,
tal vez éste y su doble,
tal vez éste.

Sim, há um fundo

Mas também há além do fundo
um lugar feito com rostos invertidos

E ali há pegadas
pegadas ou pelo menos seu avanço
leitura de cego que já não precisa pontos
e lê no liso
ou talvez leitura de surdo
nos lábios de um morto

Sim, há um fundo

Mas é o lugar onde o outro lado começa
simétrico a este,
talvez este repetido
talvez este e seu duplo
talvez este

 

*

Así como no podemos
sostener mucho tiempo una mirada,
tampoco podemos sostener mucho tiempo la alegría,
la espiral del amor,
la gratuidad del pensamiento,
la tierra en suspensión del cántico.

No podemos ni siquiera sostener mucho tiempo
las proporciones del silencio
cuando algo lo visita.
Y menos todavía
cuando nada lo visita.

El hombre no puede sostener mucho tiempo al hombre,
ni tampoco a lo que no es el hombre.

Y sin embargo puede
soportar el peso inexorable
de lo que no existe.

 

Assim como não podemos
manter muito tempo um olhar
tampouco podemos manter muito tempo a alegria
a espiral do amor
a gratuidade do pensamento
a terra suspensa pelo cântico

Não podemos sequer manter muito tempo
as proporções do silêncio
quando algo o visita
E menos ainda
quando nada o visita

O homem não pode manter muito tempo ao homem
nem tampouco ao que não é o homem

E, no entanto, pode
suportar o peso inexorável
do que não existe

 

*

El silencio que queda entre dos palabras
no es el mismo silencio que envuelve una cabeza cuando cae,
ni tampoco el que estampa la presencia del árbol
cuando se apaga el incendio vespertino del viento.

Así como cada voz tiene un timbre y una altura,
cada silencio tiene un registro y una profundidad.
El silencio de un hombre es distinto del silencio de otro
y no es lo mismo callar un nombre que callar otro nombre.

Existe un alfabeto del silencio,
pero no nos han enseñado a deletrearlo.
Sin embargo, la lectura del silencio es la única durable,
tal vez más que el lector.

 

O silêncio que fica entre duas palavras
não é o mesmo silêncio que envolve uma cabeça quando cai
nem sequer o que estampa a presença da árvore
quando se apaga o incêndio vespertino do vento

Asim como cada voz tem um timbre e um volume
cada silêncio tem um registro y uma profundidade
O silêncio de um homem é distinto do silêncio do outro
e não é o mesmo calar um nome que calar outro nome

Existe um alfabeto do silêncio
mas não nos ensinaram soletrá-lo
Porém, a leitura do silêncio é a única constante
talvez mais que o leitor

 

*

Las distancias no miden lo mismo
de noche y de día.
A veces hay que esperar la noche
para que una distancia se acorte.
A veces hay que esperar el día.
Por otra parte
la oscuridad o la luz
teje de tal manera en ciertos casos
el espacio y sus combinaciones
que los valores se invierten:
lo largo se vuelve corto,
lo corto se vuelve largo.
Y además, hay un hecho:
la noche y el día no llenan igualmente el espacio,
ni siquiera totalmente.
Y no miden lo mismo
las distancias llenas
y las distancias vacías.
Como tampoco miden lo mismo
las distancias entre las cosas grandes
y las distancias entre las cosas pequeñas.

 

As distâncias não medem o mesmo
de noite e de dia
Às vezes espera-se pela noite
para que uma distância diminua
Às vezes espera-se pelo dia
Por outro lado, em certos casos
a escuridão ou a luz
tece de tal modo
o espaço e as suas combinações
que os valores se invertem:
o longo vira curto
o curto vira longo
Além disso, há um fato:
a noite e o dia não ocupam igualmente o espaço
nem sequer totalmente
E não medem da mesma forma
as distâncias cheias
e as distâncias vazias
Como não medem da mesma forma
as distâncias entre as coisas grandes
e as distâncias entre as coisas pequenas

 

*

Decimos lo que decimos
para que la muerte no tenga
la última palabra.

¿Pero tendrá la muerte
el último silencio?

Hay que decir también el silencio.

 

Dizemos o que dizemos
para que a morte não tenha
a última palavra

Mas terá a morte
o último silêncio?

É preciso dizer também o silêncio

 

*
Hago un pozo
para buscar una palabra enterrada.
Si la encuentro,
la palabra cerrará el pozo.
Si no la encuentro,
el pozo quedará abierto para siempre en mi voz.

La búsqueda de lo enterrado
supone adoptar los vacíos que fracasan.

 

Abro um buraco
para buscar uma palavra enterrada
Se a encontro,
a palavra fechará o buraco
Se não a encontro
o buraco ficará aberto para sempre na minha voz

A procura pelo enterrado
supõe assumir os vazios do fracasso

 

*

Llaman a la puerta.
Pero los golpes suenan al revés,
como si alguien golpeara desde adentro.

¿Acaso seré yo quien llama?
¿Quizá los golpes desde adentro
quieran atrapar a los de afuera?
¿O tal vez la puerta misma
ha aprendido a ser el golpe
para abolir las diferencias?

Lo que importa es que ya no se distingue
entre llamar desde un lado
y llamar desde el otro.

 

Chamam à porta
Mas as batidas soam ao contrário
como se alguém chamasse do interior

Serei eu, acaso, quem chama?
Talvez as batidas do interior
querem pegar as de fora?
Ou talvez a própria porta
aprendeu a ser batida
para abolir as diferenças?

O que importa é que já não se distingue
entre chamar desde um lado
e chamar desde o outro

 

 

tan editorial

Idealizada por Thomaz Albornoz Neves, a chancela tan ed. reúne títulos  de autores cisplatinos e afins. São obras de fotografia, arte, poesia, ensaio e relato escritas em português e espanhol (com alguma pitada de portunhol). O empreendimento é solitário, sazonal e sem fins lucrativos. Os livros têm a mesma identidade gráfica e são, na sua maioria, ilustrados com desenhos do editor. A tiragem varia entre 75 e 300 exemplares numerados.