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João Cabral de Melo Neto. Extrato de uma conversa, Praia do Flamengo, 1996.

Agora há pouco estávamos falando de Elizabeth Bishop e os poetas que mais a influenciaram, os poetas renascentistas, George Herbert em particular.

João Cabral – Pois é Thomaz, tenho a impressão que é muito difícil dizer quem marcou a gente, toda a literatura marca, quer dizer, antes de ir para a Espanha eu era marcado pela literatura francesa, que era o que se lia no Recife e no Brasil.

Literatura romântica?

JC – Não, os mais modernos. Entrei na literatura por onde se sai, dos modernos para os antigos. Só me interessei pela literatura antiga quando fui para a Espanha a primeira vez em 1947. Então, como não tinha formação universitária, não tinha inclusive literatura portuguesa, confesso que não conhecia os antigos. Foi na Espanha que decidi ler sistematicamente a literatura espanhola a começar por “El Cid”, que me marcou enormemente. Já na Inglaterra, fiquei impressionado com a literatura inglesa e americana. Antes, tinha tentado diversas vezes entrar na literatura inglesa pelos românticos, o que com o meu temperamento foi um erro. Um erro que se comete sempre porque os poetas românticos são os de que mais se fala: Byron, Shelley, Keats. E era por eles que eu tentava entrar na literatura inglesa, sendo que não me interessavam absolutamente. Ao chegar na Inglaterra, tomei conhecimento da literatura inglesa anterior aos românticos, assim como da moderna. Mas sobre tudo da poesia metafísica e dos também chamados augustanos: Dryden, Pope, e de um sujeito que nem sempre é citado nas antologias, mas que era um poeta extraordinário, um dos sujeitos que mais me impressionou, George Crabbe, um padre que escrevia com aquele couplê rimado do Pope e do Dryden. Era um poeta que usava prosa e poesia, acho que até melhor que o Robert Browning, de quem gosto muito, mas acho que o Crabbe era ainda melhor. Já nos mais recentes o Thomas Hardy, que todo o mundo cita como romancista, mas eu acho que se trata de um poeta extraordinário. Ele é moderno, e me impressionou muito, também o Hopkins, muito embora eu não sinta a marca deste em mim. Foi a partir daí, que praticamente a poesia que só me interessa é a de língua inglesa.

Nota-se nos seus primeiros poemas uma influência da literatura francesa surrealista…

JC – Exato. É muito interessante porque a crítica não chamou ainda a atenção para isso. Lá em Pernambuco, antes da guerra, eu comecei a frequentar a roda do Lêdo Ivo, José Otávio de Freitas, Gastão de Holanda, do pintor Vicente do Rego Monteiro que era muito mais velho que nós e tinha morado em Paris. Quando veio a guerra ele que tinha um engenho no interior de Pernambuco deixou o atelier em Paris e foi para lá fabricar cachaça. Já era um pintor conhecido, foi ele quem nos introduziu, vamos dizer assim, a literatura francesa moderna. Mas pensando hoje, a influência do surrealismo sobre mim foi uma influência da pintura surrealista e não da poesia. Nós conhecíamos além de “O manifesto do surrealismo” uns poucos textos surrealistas. Mais tarde, quando eu conheci melhor confesso que fiquei inteiramente desencantado com a discursividade desse pessoal todo. Você pega o Breton por exemplo, o Aragon surrealista, o Eluard surrealista, você vê que no meio daquele palavrório todo tem uma imagem. O meu primeiro livro e parte do segundo, que foi o Engenheiro, foram influenciados mais pela pintura que pelos textos surrealistas. Em parte também porque os pintores surrealistas chegaram antes ao Recife que aos poetas. O Vicente do Rego Monteiro quando veio de Paris, trouxe esse gênero de pintores, o Marx Ernst, o de Chirico e o Paul Klee. Mas a poesia que nós conhecíamos era a da geração do Apollinaire, do Cocteau, porque a França foi invadida em 1940 e a partir daí não chegaram mais textos surrealistas no Recife. Eu tenho a impressão que por um lado sou muito mais visual que plástico, por outro não sou nada auditivo. Estou com Voltaire, a música é o menos desagradável dos barulhos. Eu não tenho o menor interesse por música.
Não é caso do Octávio Paz que fez toda uma releitura do surrealismo. A propósito, em uma entrevista recente o Paz foi perguntado à respeito de quais eram suas leituras naquele momento. Ele respondeu que estava lendo João Cabral de Melo Neto e que encontrava afinidade com ele. Você imagina quais afinidades seriam?

JC – Tenho a impressão que deve ser essa marca que o surrealismo deixou em nós.

México e Pernambuco?

JC – Não creio que seja México e Pernambuco, mas essa preponderância do visual. Usando as definições do Pound – logopéia, fanopéia e melopéia – sou um sujeito sem melopéia. Minha poesia é toda visual, ela se afasta da linguagem abstrata, a linguagem que me interessa é a linguagem concreta. Meu esforço é justamente usando o título do livro de Paul Eluard, “Donner a voir”.

Dar a ver. É um livro basicamente sobre pintores.

JC – Exatamente, mas não só sobre pintores, é um livro até muito discursivo. Paul Eluard usa muito o discurso.

Mas os melhores poemas dele são curtos, “Marx Ernst”, “O espelho de um instante”…
JC – Agora, eu perdi o contato com a poesia francesa, pois depois de começar a me interessar pela literatura inglesa voltei a servir em lugares como Marseille, Genebra, Berna, mas já não estava tão interessado na literatura francesa como na mocidade. O que eu continuei sempre lendo foram os ingleses e os espanhóis. Eu sinto que no inglês essa possibilidade de ser concreto é maior que em qualquer outra literatura. É muito raro encontrar um poeta inteiramente abstrato em inglês. Ao mesmo tempo a poesia de língua inglesa é muito mais compacta. No inglês a quantidade de monossílabos é enorme, com três ou quatro monossílabos o inglês diz mais um verso que em qualquer língua latina.
E os contemporâneos, quais são os poetas que a seu ver, trabalham o concreto, o limite da linguagem?
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.JC – Tive muito interesse no grupo concretista, embora nunca tenha escrito nenhum poema concreto especificamente. É difícil um sujeito mais velho julgar uma pessoa mais moça. O mais jovem é original na medida em que não se parece com o mais velho. Eu fui amigo íntimo do Manuel Bandeira, do Carlos Drummond de Andrade, do Vinícius, e eles gostavam do que eu fazia até certo ponto. O pessoal mais moço é que… Em geral o pai não compreende o filho, mas o filho compreende e sai pra outra. Acho que nós devemos ser julgados pelos mais jovens, e não sermos julgadores dos mais jovens..
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É o estado póstumo da poesia.

JC – Pois é, eu acho que é isso.

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Idealizada por Thomaz Albornoz Neves, a chancela tan ed. reúne títulos  de autores cisplatinos e afins. São obras de fotografia, arte, poesia, ensaio e relato escritas em português e espanhol (com alguma pitada de portunhol). O empreendimento é solitário, sazonal e sem fins lucrativos. Os livros têm a mesma identidade gráfica e são, na sua maioria, ilustrados com desenhos do editor. A tiragem varia entre 75 e 300 exemplares numerados.