Rigor e concisão numa imensa página em branco
Sol sem Imagem é o título do terceiro livro de poemas de Thomaz Albornoz Neves. Trata-se de uma edição bilíngue português-espanhol, em decorrência dos contatos do autor com outros países do continente hispano-americano. Quem fez a versão para o espanhol foi o também poeta argentino Rodolfo Alonso que, além disso, é crítico, ensaísta e editor; difundiu a poesia brasileira na América latina. Ele também redigiu a orelha deste volume, onde fala de “uma voz íntima mas quase sideral, imersa em um silêncio enorme, que me parecia tanto o dos amplos espaços estelares como o de uma imensa página em branco”.
Acompanham o livro uma introdução do poeta Bruno Tolentino, que o compara com a grande tradição mediterrânea moderna, e um apêndice, “Diálogo sobre um percurso poético”, que consiste numa entrevista com o escritor João Antonio. Aqui emergem alguns pensamentos de Thoma Albornoz: “Desconfio do espontâneo e não gosto do sentimental” ; “Não escrevo nada pensando no percurso literário”; “Ao escrever estamos ligados à diversas tradições e não somente à brasileira”; “Prefiro mil vezes o verso bem feito ao argumento vencedor”. Vamos então à obra em si. De saída, Albornoz Neves mostra-se coerente com a primeira frase sua que transcrevemos acima. Em contraposição ao espontâneo e ao sentimental, temos o rigor e a concisão. Às vezes surgem autênticos poemas-pílula como
O girassol
Vira
girassol
o olho no olho do sol
ou
A ostra
É ostra
por dentro
a pérola
Alíás todo o livro parece um colar de haicais, naquela permuta permanente entre imagem e idéia ou, como se diria à la Ezra Pound, fanopéia & logopéia.
O livro está dividido em duas partes. A primeira, repetindo o seu título, Sol sem Imagem apresenta 20 poemas, todos com título. A segunda denominada “O Sono”, é constituida de 16 mini poemas engatados numa espécie de especulação parametafísica em torno de uma mulher encerrando-se com uma visão antológica
É dia.
No centro
da luz
raias
A luz é tua sombra
Na primeira parte, além do já mencionado O “Girassol”, pode-se registrar várias sequências, em o “Touro Cego”, fanopéia pura:
O campo é estelar. Sem céu.
O vento entalha esses no ar.
o breve poema “A Morte II”:
Em silêncio
a passagem
Sol sem imagem
uma pedra de toque em “O Poeta”:
Ocos ecoam arcos no ar
Enfim, “O Ato I”:
Vejo pela primeira vez a cada instante
e o esquecer que vejo me perpetua
semelhante.
“O Ato II”:
Detido no movimento
o corpo é ponto entre pontos
que avançam em arco no espaço
“O Ato III”:
O espaço mais espesso
suspenso pelo silêncio
de sombras que se transpassam
parecem apresentar meditações paralelas às induções pré-socráticas. E “O Vaso”, para o qual um Wallace Stevens, em mínimo múltiplo comum, bateria palmas:
Ao canto da parede branca
o vaso branco
a reta retém a curva ecoa
“O Sono”: uma trilha de flashes naquele vai e vem imagem/idéia. A vertente Ungaretti. A imantação Montale. Um dos maiores e mais ricos poemas dos últimos anos. Vamos a alguns trechos de avis rara:
No lago de calor
sou ar acorrentado
e
A transparência é teu peso
e te rodeia o vazio que circundas
ou
O luar de tua nuca sonha ser face
mais este
O arco do gesto propaga ondas
resplendem ecos de cascatas
o vazio transborda as margens do espaço
e ainda
És o lago do olhar
na ausência dos olhos
Dormes no cristal escuro
Um fio de relva divide a transparência
Como vem dito na contracapa, “o máximo de significado no mínimo de palavras”. Voltando a lembrar Pound (“ABC da Literatura”): a poesia é dichten, isto é, condensar.
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Sol sem imagem está em