A julgar pela profundidade existencial dos seus versos, o poeta de A Busca da Luz, com apenas 20 anos, é já homem feito. Intui-se, entretanto, nas entrelinhas, a presença do menino sensível que a vida submeteu desde muito cedo a uma sucessão de circunstâncias traumáticas.
Mais que de um tour de force poético, A Busca da Luz resulta de um mergulho e de uma elevação espiritual. Esta me parece ser a chave para sua leitura. As palavras são vestígios de uma vivência cuja natureza é, per se, inexpressável. Emanam dessa experiência sem a pretensão — e isto é essencial nesta interpretação — de representá-la. Os poemas fazem parte do abismo que os gerou, escritos quase como quem pinta no escuro.
A Busca da Luz está estruturada em duas séries de sete peças orientadas complementarmente. E o número sete não é uma escolha aleatória. De acordo com a numerologia básica, o sete não é múltiplo ou divisor de número algum (salvo o um), o que o remete à irredutibilidade e à integridade. Da perspectiva simbólica, que é a utilizada aqui por Adriano, representa a integração dos mundos físico, espiritual e o universo em contínua transformação.
A primeira seção, pelo sul do escuro, descreve um estado de errância no qual o sujeito está apenas começando a sua busca pela claridade. As luzes que surgem progressivamente são tímidas, fugazes como as cenas descritas. O sul sombrio, ponto de partida, é uma região desolada, o polo oposto ao norte solar.
Seu primeiro poema, labirinto, estabelece as trevas e o confinamento como estado inicial da trajetória. Aponta também para a esperança como um ato de resistência e uma ânsia de liberação:
condenado a preencher
a vida com palavras
vivê-la
apenas em parte
e — assim dividida
sonhá-la
sempre maior
condenado à treva
que na pele
acende
o rude lume
do seu horror
e tortura
condenado a tanto
por tão pouco
ou a nada
por alto preço
sigo daqui
nesta esperança
(nesta certeza)
de que se ilumina
o mundo
lá fora
numa aventura
melhor
A série evolui do isolamento do claustro — o quarto do poeta — para os espaços externos. Nas palavras do próprio Adriano, em comentário ao segundo poema, os heróis, que aborda o sofrimento como um elo unificador da natureza humana:
É noite, a larga e catártica noite humana. Estamos sozinhos, sob esplêndidas estrelas, falando sobre o sofrimento. A fala é o nosso mínimo movimento de êxodo: golpe que esquarteja a frígida pedra do nada e busca a alegria lúcida dos diamantes.
Do claustro à cidade, os poemas 5 (prófugo) e 6 (depois da chuva) enquadram as luzes urbanas, sob as quais o poeta começa a sentir, andando na rua, com o vento no rosto, ou depois da chuva, um rastro de vida e renascimento:
5
sob
placas de bares
balançando ao vento
ando
olho a luz
das lâmpadas
batendo tranquila
no corredor da rua
ouço
depois de leves barulhos
o silêncio
girando lento ao redor
dos pátios escuros
e capto
pulsando entre
os escombros do dia
o coração violento
da vida
6
os calçamentos molhados
refletem o neon
duplicam
o brilho das vitrinas
dos letreiros comerciais
avivam
a avenida
rede
de reflexos
por onde ando
e preso no tremor
da noite
busco a beleza
Ainda é noite, os riscos do amor o assediam (poema 4), o tremor pulsa, mas há coragem para ir ao encontro da claridade. O poema 7, viagem noturna, traz o protagonista em um ônibus sujo, depois de um encontro amoroso («longo / e imóvel sol / deitado na cama»), sentindo a experiência sexual e sua natureza solar como um ponto de fuga no vazio.
O componente autobiográfico é evidente. A poesia, ao mesmo tempo, é uma atividade que busca um sentido para o cotidiano e um meio para a sua redenção.
Se, em pelo sul do escuro, há um descenso mais que uma queda, na segunda série, titulada rumo ao norte do sol, há uma ascensão sem voo, um encontro marcado com a revelação. O homo viator está agora em busca da luz permanente, imaterial. Indagado sobre a tentativa de traçar uma rota que leve o protagonista ao âmago dessa luz e a uma libertação das trevas onipresentes, Adriano responde:
Entendo que a estrutura do mundo está alicerçada sobre o escuro, sobre falsas luzes, sofismas. Para chegar ao lume puro e dissolver o estigma: beatus vir (a falsa felicidade), transpondo o símbolo da traição, é necessário um ato de recusa aos valores, glórias e ilusões que sustentam esse perverso arcabouço social, locus de exclusão e sacrifício.
A marginalização, própria de um ser sensível massacrado pela violência gratuita, obriga o estabelecimento de um diálogo com o silêncio, seja em forma de poema, seja em forma de oração. A prece pelo bálsamo e pela cura (que sucede ao salto no abismo do poema 2) rege o poema 3:
imploro
a pureza
das palmas brancas
imploro
um pouso
dos dedos cálidos
nos talhos
do tombo
cotidiano
imploro
o claro
bálsamo
do toque
na espedaçada
carne
noctâmbula
da história
Há, no poema 4, referência ao imaginário medieval cristão, que contrapõe corpo e mente para resolver-se na renúncia ao convívio social e no ascetismo como prática purificadora, direcionada à luz:
o mundo
é uma longa mulher
e me afaga
para que não pense
para que feche os olhos
no esquecimento
os músculos — os nervos — a nuca
o peito — os cabelos — o pênis
ereto do sentimento
afaga
para que eu seja apenas
escuro prazer e silêncio
mas ajo
(penitente)
e penso lucidamente
No poema 5 (casta), central em toda a composição, há referência à mitologia grega, na associação entre o poeta e o desafortunado Anfíon, como se a poesia conseguisse ser, no dizer do autor: «Um cofre solar, uma urna de música, uma maneira de fazer a linguagem produzir e irradiar luz; uma luz intermédia, capaz de unir nosso ser ao Sumo».
procuro
pérolas
aqui
(pérola:
lira
de Anfíon — fogo
possível)
procuro um cofre
solar: urna
de música onde
as uvas da beleza
mergulham
seu açúcar difícil
procuro
uma forma
de fazer a língua
do Lácio puxar
toda a força
do cosmo
como um ímã
que depois
explode
porque a soberba
do sonho
roubou do céu
a sua hipérbole
e tenta
abrir na letra
a substância
da palavra:
paz
macerando
macerando
macerando clave
por clave
num trabalho
que une
(prima função
da harpa)
nosso ser ao Sumo
E é neste sentido, de poder alquímico, que o poeta detém a «lira» e o «fogo possível», assumindo a função de lançar, com suas palavras, um sentido contra o horror vacui.
Desse modo, A Busca da Luz não trata apenas de um caminho de elevação existencial. Há nele também um paralelo que põe inicialmente a escrita como uma atividade sem sentido para tratá-la, no fim, como um instrumento libertador, apto a remodelar o mundo «conforme seu grau / de esplendor» (poema 6).
Apesar de concisos formalmente, há uma clara sintaxe barroca nesses versos, seja pela complexidade dos elementos, seja pelo rebuscado do imaginário usado para enfrentar a dor e o sofrimento, o oco existencial e a falta de sentido da arte. Um excesso contra a falta.
O livro é ambicioso. Adriano afirma que, de modo geral, sua obra sempre enfrenta a escuridão com a esperança. Em A Busca da Luz, seu primeiro esforço nesse sentido, tenta descrever a conversão das trevas em claridade e da luz em amor. A obra aponta o caminho que o levaria, alguns anos depois, ao retiro em um mosteiro e à via religiosa. É importante, porém, reiterar que qualquer aproximação literária desta obra corre o risco de perder o contato com o seu sentido primeiro. Repito: Adriano Wintter escreve a partir de outra aventura. Não a do poeta, mas a do santo.
Thomaz Albornoz Neves
Santana do Livramento, junho de 202